Eu me lembro da Rua Paraná como se fosse ontem, com seus detalhes, seus cheiros, e a vida vibrando em cada esquina. Tinha apenas oito anos em setembro de 1974, mas a rua já era um mundo inteiro para mim. Em um tempo sem pressa, onde o caminhar das pessoas pelo asfalto era mais frequente que o das rodas dos carros, a rua pulsava com uma mistura de sons e cenas que hoje parecem quase impossíveis de se reviver.
Era uma rua viva, mais povo do que automóvel. Eu costumava ver as carroças e as charretes se misturando com os pedestres, tudo muito próximo, como se o espaço fosse um bem coletivo. As mesas de sinuca nos bares, que se espalhavam pela via, eram uma verdadeira "praga" de pontos de encontro, e o Bar do Ponto, sempre cheio, era a alma de tudo. Ali, o ônibus amarelo da Princesa do Norte estacionava, com seu barulho de motor antigo e o cheiro de combustível misturado com a fumaça de cigarro. As calçadas, sujas de bitucas e pacotes de cigarros vazios, pareciam relíquias de um tempo em que a rua era mais suja, mas também mais humana.
Naquele tempo, o Grande Hotel ainda era um ícone. Era onde os hóspedes vinham de todos os cantos para ficar, e no andar de cima, o movimento constante de malas e conversas revelava uma cidade em transformação. A Casas Pernambucanas, que tomavam conta do andar inferior, ainda funcionava com aquela graça antiga, como uma vitrine do que era o Brasil de então.
No fim da Rua Paraná, ficava a loja Dib & Chueiri, de madeira, com seu aspecto rústico que parecia resistir ao tempo. Eu olhava tudo aquilo como um espelho da vida que acontecia ali, como se fosse um retrato de uma cidade que ainda se formava.
Em 1984, aos 18 anos, eu já começava a perceber as primeiras mudanças. Os bares, que antes eram o coração da rua, começaram a dar lugar para as lojas, mais coloridas, mais modernas. O Banco do Brasil, com seu prédio imponente, surgiu como um marco, mostrando para o velho Grande Hotel que o progresso já chegava a Ibaiti. E ali, na esquina, a Casa Rocha de Ferragens ainda resistia com sua estrutura de madeira, ao lado do Bar do Tião do Mé, que parecia não perceber que o tempo estava passando. O Foto Tupã, sempre com sua fachada amarela, ficava perto do Supermercado Rolim, e o Bar do Toco, em frente ao Super Leão, ainda mantinha aquela atmosfera de pausa no meio do cotidiano.
Chegamos a 1994. A rua, que agora já refletia os efeitos do tempo, perdeu as antigas fachadas de madeira. Restava apenas o Grande Hotel, quase que o único sobrevivente do passado. As lojas modernas começaram a tomar o lugar dos velhos bares, onde homens se reuniam para jogar conversa fora e tomar suas cachaças. E a Casa Rocha, que antes era um casarão de madeira, agora se tornava uma loja de móveis, espalhando um ar mais "corporativo", mais frio, para quem passava.
Foi ali, naquele tempo, que a rua começou a mudar sua fisionomia. As calçadas no estilo Copacabana, com suas pedras bem assentadas e postes ornamentais, foram instaladas, dando um toque de modernidade que parecia, de certa forma, não combinar com o que eu via na memória. Mas a mudança estava no ar, e a rua respirava como nunca antes.
Em 2004, com a chegada do novo milênio, a cidade toda se preparava para os avanços da tecnologia, e a Rua Paraná não ficou para trás. As agências bancárias se modernizaram, com caixas eletrônicos substituindo as filas, e logo se tornaram um novo ponto de fluxo de pessoas. Era um sinal claro de que o futuro estava se impondo, e a Rua Paraná, antes dominada por bares e comércio local, se adaptava a um novo tempo. As lojas ganharam mais sofisticação, e a tecnologia, até então uma presença discreta, começava a marcar sua presença na rotina da cidade.
Em 2014, com o Plano Diretor aprovado, as novas edificações da cidade seguiram padrões modernos e atuais, refletindo um crescimento acelerado. A Rua Paraná, acompanhando o ritmo da cidade, se transformou cada vez mais em um centro comercial estruturado e organizado. Os prédios começaram a ganhar andares e fachadas mais arrojadas, com uma arquitetura que já se aproximava dos padrões de grandes centros urbanos. O movimento era mais intenso, as pessoas, mais apressadas, circulavam com um passo mais rápido, e a sensação de que a cidade estava se urbanizando de forma vertiginosa se tornava mais clara a cada ano.
Agora, em 2024, aos 58 anos, eu ando pela Rua Paraná e a vejo com os olhos de quem já viveu o suficiente para perceber o quanto o tempo é caprichoso. As pessoas, aquelas mesmas que, há 50 anos, passeavam calmamente pelas calçadas, já não estão mais lá. Os amigos que eu via, cheios de sonhos e com o ritmo mais lento de quem sabia a beleza de um olhar distante, foram se dispersando. O que vejo hoje são pessoas apressadas, sempre com os olhos grudados nos seus celulares modernos, andando por calçadas com lojas modernas que refletem uma realidade bem diferente daquela rua que eu percorri na infância.
O Grande Hotel, quase uma relíquia, continua ali, resistindo como um elo entre o passado e o presente. O prédio do Mercado Rolim, antes simples e funcional, foi remodelado e se tornou um centro comercial cheio de lojas, todas com a mesma cara de qualquer cidade grande. A rua, que foi o palco de tantos encontros e despedidas, agora parece seguir o fluxo das grandes cidades, com seu ritmo acelerado e sua impessoalidade.
Às vezes, me pego pensando que o tempo roubou a calma da Rua Paraná. Mas, ao mesmo tempo, ele a transformou em algo maior, em algo que carrega no asfalto e nas paredes das lojas a história de uma cidade que, como eu, amadureceu, se modernizou, mas ainda guarda os vestígios de um tempo onde tudo parecia mais simples.
Eu sou apenas um dos muitos que caminharam por ela, mas a Rua Paraná é a verdadeira testemunha do que fomos e do que nos tornamos. E, mesmo com todas as mudanças, ela continua ali, de alguma forma, a nos lembrar que, embora a vida passe, a memória do que fomos nunca se apaga.
por Gilson Sarrafho